Jovem e mulher. Novas caras na vanguarda da mobilização social
Quero começar por recuperar algumas ideias que Juan González-Anleo e Paulí Dávila já apresentaram em seus respectivos artigos, publicados nesta mesma seção, por ocasião do aniversário dos movimentos de maio de 1968, a saber:
- O movimento de 1968 não foi só uma gigantesca confluência dos mais variados movimentos sociais, foi também o ponto de partida para novas sensibilidades, novos interesses, consciências e identidades: os novos movimentos antibelicistas, o feminismo, os movimentos LGBT, o ambientalismo, etc.
- O movimento de 1968 também representa um marco na configuração da juventude (especialmente a juventude universitária) como sujeito político capaz de realizar mudanças revolucionárias na vida cotidiana, e também no âmbito social, político e cultural.
Sem dúvida, maio de 1968 foi o ponto de partida de novas consciências, movimentos, identidades, etc., embora também seja verdade que, em termos de mobilização jovem, o período foi seguido por décadas de desmobilização, apatia e desencantamento no contexto das principais sociedades ocidentais, particularmente na Espanha. No entanto, após a eclosão da crise econômica em 2008, esse cenário de desmobilização da juventude começou a mostrar sinais de mudança, que pode ser vista como uma reativação do “sujeito político jovem” e sua legítima aspiração de reclamar um espaço na tomada de decisões políticas que afetam seu futuro. Talvez com suaves, porém importantes, matizes, o papel de mulheres jovens na história construída em maio de 1968 e nos movimentos que o sucederam (com exceção do movimento feminista) ficou bastante borrado, quando não invisível, na linguagem, no imaginário e em relação às figuras masculinas. Pois bem, este relato também mostra sinais de mudança em relação às atuais mobilizações juvenis, muitas delas representadas por figuras femininas jovens e adolescentes.
Neste artigo, faremos uma reflexão sobre o papel da mulher jovem nos movimentos que estão tendo a maior repercussão em nível global. Vamos tentar apresentar indícios que ajudem a explicar por que isso está acontecendo e encerrar com uma discussão sobre uma possível diferença entre as características das lideranças femininas e de suas contrapartes masculinas.
O primeiro tópico que precisa ser abordado é o papel que as mulheres jovens estão desempenhando no movimento feminista, que já tem traços de mobilização global. Neste caso, a histórica mobilização que vem ocorrendo na Argentina desde meados de 2018 a favor da descriminalização do aborto, batizada pela imprensa de “A revolução das filhas”, mostra o protagonismo da juventude, que não só tomou a palavra na sessão parlamentar em que a lei foi discutida e votada e mostrou presença maciça nas manifestações que aconteceram em todo o país, mas, principalmente, foi responsável pela ampliação do debate sobre as diferentes desigualdades sofridas pelas mulheres e por apresentá-lo ao conjunto da sociedade argentina (casas, escolas, partidos políticos, etc.), como aponta a ensaísta argentina Luciana Peker:
A greve e a mobilização feministas de 8 de março de 2018, na Espanha, também tiveram conotação histórica. A presença da juventude foi um dos temas de maior destaque nas análises subsequentes. Os dados fornecidos pelo barômetro do CIS podem ajudar a entender o que está acontecendo: em abril de 2018, o feminismo aparece como a segunda maior “ideologia” entre jovens entre 18 e 24 anos, com 10,3%, atrás apenas do liberalismo, com 14,1%. O barômetro do CIS de janeiro de 2019, apontou que a identificação com o feminismo aumentou para 14,4%, reduzindo a distância em relação ao liberalismo (ainda em primeiro lugar, com 15,8%).
Isso não significa que a maioria dos jovens espanhóis seja feminista; os dados do último estudo do Centro Reina Sofía sobre Adolescência e Juventude descartam essa ideia [1]. Embora se possa dizer, sem dúvida, que se trata de uma ideologia em expansão e que isso coincide com a abertura do próprio movimento para diferentes ideias de mulher, com diferentes visões de mundo, ampliando o perfil de mulheres brancas e ocidentais que ditou as pautas para a busca da igualdade de gênero. Com isso, as vozes mais reconhecidas dentro do movimento feminista global também reconhecem a significativa contribuição da juventude nos últimos anos, abrindo o espectro de pessoas que podem se sentir incluídas no feminismo (inclusive homens) e possibilitando sua expansão, em escala global, em um movimento que está começando a ser considerado, embora não sem controvérsia, como uma possível quarta onda [2] (González, 2007).
Agora é hora de transcender o que diz respeito estritamente ao movimento feminista para mostrar a importância de figuras femininas que estão surgindo em outros movimentos juvenis do nosso tempo.
Sede da Comissão Europeia (Bruxelas), 21 de fevereiro: Greta Thunberg, a liderança mais visível do movimento FridaysForFuture, denuncia a Jean-Claude Juncker e aos outros comissários europeus a inação de líderes políticos mundiais diante da atual crise ambiental (como já havia feito no Fórum de Davos e na Cúpula do Clima de Katowice). Nos discursos dessa adolescente sueca de 16 anos, enxergamos a raiva de uma geração de jovens que vê seu futuro e o de todo o planeta em risco para que “um número muito pequeno de pessoas continue ganhando enormes quantidades de dinheiro”.
Como é comum nestes casos, uma parte considerável do mundo adulto, incluindo aqueles que ocupam cargos de responsabilidade política, responderam às greves dos estudantes pela justiça climática com um tom de condescendência, por vezes tentando devolver os jovens ao único lugar que, em seu entendimento, lhes cabe na sociedade (as instituições de ensino). Ao que Thunberg retrucou: “Eu já tenho livros. O que vou aprender na escola? Os fatos não importam, os políticos não estão ouvindo os cientistas: o que eles aprenderiam na escola?”
Estudantes de todo o mundo que fazem parte do movimento FridaysForFuture convocaram para o dia 15 de março uma greve global pelo clima com mais de 500 atos em 51 países de todo o mundo, da Europa à América, da Austrália ao Irã, Índia e Japão. Muitos acreditam que será a maior mobilização de estudantes até hoje.
Ao passar para o campo da educação, vemos que as mobilizações juvenis, ocorridas em diversos países nos últimos anos, mais uma vez tem a liderança, ou pelo menos a representação, de figuras femininas. Além da conhecidíssima Malala Yousafzai, podemos citar o exemplo de Camila Vallejo, que tinha 23 anos quando se tornou a figura mais visível da mobilização de estudantes chilenos por uma educação pública, gratuita e de qualidade em 2011. Também podemos citar Ana Júlia Ribeiro, uma adolescente de 16 anos que emprestou rosto e voz ao movimento secundarista brasileiro, que em outubro de 2016 ocupou cerca de 800 instituições públicas no Paraná e centenas de outras em todo o país, incluindo universidades, em protesto contra o projeto de reforma do ensino médio do governo Temer.
A resposta da classe dirigente, como nos casos do Chile ou do movimento FridaysForFuture, foi tentar deslegitimar a ação dos estudantes, questionando sua capacidade de pensar por si próprios e acusando-os de terem sido doutrinados pela oposição política.
É interessante mencionar agora dois movimentos juvenis com presença especialmente nos EUA, Black Lives Matter e Never Again. O primeiro, que se dedica a denunciar a violência policial contra negros e a desigualdade racial no sistema de justiça criminal norte-americano, está diretamente ligado ao movimento Black Power e ao movimento pelos direitos civis de 1968. O segundo, liderado por estudantes sobreviventes do tiroteio na Escola Secundária Stoneman Douglas (Parkland), defende um controle mais rigoroso do uso de armas de fogo no país e a prevenção contra a violência embutida no conjunto da sociedade, que pode ser visto como uma reminiscência dos movimentos pacifistas originados durante a Guerra do Vietnã. O Black Lives Matter foi fundado, em 2013, por três jovens afro-americanas, Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi, enquanto o Never Again acabou sendo personificado pelo perfil extremamente carismático de Emma González.
Juan González-Anleo termina o artigo aludindo ao legado de 1968, que, como tentamos mostrar aqui, ainda está vivo no movimento ambientalista FridaysForFuture, nos movimentos feministas, nas lutas estudantis e nos movimentos por igualdade racial nos EUA. É por isso que falamos, no início do artigo, de uma reativação do “sujeito político jovem”, ainda que nesta reativação o binômio jovem-mulher ganhe cada vez mais importância.
Lideranças femininas: início de uma tendência na mobilização juvenil?
Os limites deste artigo nos impedem de mostrar muitos outros exemplos de liderança feminina nos movimentos juvenis. Podemos nos perguntar se são exemplos isolados sem qualquer relação entre eles ou o início de uma tendência.
Para entender por que essas novas lideranças estão surgindo, vamos nos valer da sociologia do estrangeiro de George Simmel, para quem ser estrangeiro não significa necessariamente vir de outro país, mas estar no horizonte espacial de um dado grupo social e só se integrar a esse grupo por exclusão. Nesse caso, o binômio mulher-jovem se encaixa na definição de estrangeiro de Simmel, pois enfrenta uma dupla desigualdade em função da idade e do gênero. Por outro lado, segundo o autor, em relação ao grupo social, o estrangeiro encontra-se em uma situação de distância/proximidade e interesse/desinteresse, tornando-se um sujeito livre das determinações e dos preconceitos do grupo (Penchaszadeh, 2008).
Isso poderia significar que o tradicional distanciamento imposto a jovens mulheres em relação a tomadas de decisão em estruturas sociais estabelecidas as coloca em posição privilegiada para observar e se manifestar sobre tudo o que pode estar acontecendo nas sociedades em que vivem. Por outro lado, por sua maior formação e por tomar consciência de suas próprias capacidades, bem como das expectativas sociais para si próprias (o que hoje é conhecido como empoderamento), elas assumem cada vez mais a liderança na mobilização de jovens. O espaço público, antes quase exclusivamente reservado para homens e, principalmente, para homens adultos, está sendo lentamente ocupado por mais mulheres e, nos últimos anos, por mulheres jovens.
Finalmente, a questão seria: as novas lideranças trazem um diferencial?
Essa questão aparece com cada vez mais frequência no debate público, em grande parte devido à esperança de que, ao serem alçadas a posições de responsabilidade, as mulheres contribuam para estabelecer relações de trabalho ou de gestão pública mais transformadoras, inspiradas menos na competição e mais na colaboração, no cuidado, na empatia em relação ao outro, e em um caráter mais deliberativo do que executivo nas decisões, etc. É preciso ressaltar, no entanto, que essa visão se baseia, mais uma vez, em estereótipos de gênero: por que um homem não pode reproduzir esse tipo de liderança? E o contrário? Por que uma mulher não pode ter um perfil mais executivo, competitivo, etc.?
Os estudos realizados neste campo, ainda muito incipientes, não fornecem resultados conclusivos, dada a diversidade de abordagens, paradigmas e metodologias de pesquisa. Assim, as discrepâncias e omissões existentes impedem o acúmulo de conhecimento e, portanto, impossibilitam a obtenção de conclusões sólidas sobre a questão (Cuadrado, 2003).
Na minha opinião, o debate não pode nos fazer perder o foco no que é mais importante, a entrada paritária de mulheres no espaço público, como aponta o filósofo Daniel Inerarity, “não porque as mulheres vão desempenhar em âmbito público as tarefas que desempenhavam em âmbito privado, nem porque representem uma maneira diferente de fazer política, mas porque isso nos obriga todos a rever a tradicional distribuição de funções e, acima de tudo, a desconstruir o ideal humano de autossuficiência. Ao reverter a política de autossuficiência, abre-se caminho para um modelo em que outros valores – a vulnerabilidade, a cooperação, o cuidado – possam ser propriedades e assuntos do espaço público (de homens e mulheres, é claro)”.
Autora: Ariana Pérez.
OJI
Notas
- [1]
A juventude espanhola está polarizada em suas posturas diante da igualdade de gênero: 56% se posicionam em um polo que mostra maior resistência a reconhecer a desigualdade, e 44% se mostram militantes diante de estereótipos e crenças machistas (CRS, 2019).
- [2]
Amelia Valcárcel (entre muitas outras autoras e autores) classifica a história do movimento feminista em três ondas: O feminismo durante o Iluminismo (primeira onda); o feminismo liberal sufragista, de meados do século XIX até a década de 1950 (segunda onda); e o feminismo contemporâneo (terceira onda).
Bibliografía
- Cuadrado, I. (2003). ¿ Emplean hombres y mujeres deferentes estilos de liderazgo? Análisis de la influencia de los estilos de liderazgo en el acceso a los puestos de dirección. Revista de psicología social, 18(3), 283-307.
- González, M. M. (2007). Jóvenes y Feminismo:¿ hacia un feminismo de la “subversión”?. Revista vasca de sociología y ciencia política, 43, 97.
- Penchaszadeh, A. P. (2008). La cuestión del extranjero. Una mirada desde la teoría de Simmel. Revista Colombiana de Sociología, (31), 51-67.
- Rodríguez y Ballesteros. (2019). I Informe Jóvenes y Género. La (in)consciencia de equidad de la población joven en España. Centro Reina Sofía sobre Adolescencia y Juventud.